Pequenos Incêndios por Toda a Parte

(publicado originalmente em Super Ela)

Little Fires Everywhere é um caso raro.

Sempre digo que livros são melhores do que suas adaptações para as telas, mas confesso que neste caso específico, a série superou – e muito – o livro. Baseada no romance homônimo da autora Celeste Ng, os roteiristas conseguiram dar vida à tópicos ainda mais relevantes do que a obra literária, além de trazer atuações excelentes.

Elena, interpretada pela Reese Whiterspoon, se orgulha de ter tudo imaculadamente sob controle o tempo todo. É uma mãe devota, que vive sua vida perfeita, em sua casa grandiosa no bairro perfeito, com seu marido perfeito e seus quatro filhos perfeitos. Nada parece abalar a segurança e controle dessa protagonista forte e determinada em sua vida tranquila e milimetricamente planejada – a não ser os pequenos conflitos corriqueiros que trava com sua rebelde filha caçula, Izzy, que não se encaixa na perfeição da família e não suporta seguir os padrões impostos pela mãe e pela sociedade em que vive.

E é neste contexto que Mia Warren, uma artista pobre, negra e mãe solo da jovem Pearl, chega na cidade.

A saga começa quando Elena, penalizada com a situação da nova moradora do bairro, decide ajudá-la e acaba alugando um apartamento para ela, facilitando toda a burocracia e parte financeira do processo.

Neste primeiro contato entre as duas protagonistas já podemos perceber a destoante realidade financeira, ideológica e social de cada uma – e a conversa repleta de tensão entre elas. Elena sorridente e orgulhosa de cada detalhe da vida perfeita e politicamente correta que construiu – e Mia, afiada e instigante, desprezando cada um deles. Tudo nas entrelinhas, é claro.

A partir deste momento, as vidas dessas duas mulheres acabam se tornando intrinsecamente conectadas, e, pouco a pouco, segredos do passado começam a vir à tona e ser revelados.

Pearl, a filha adolescente de Mia se torna amiga de Moody, filho adolescente de Elena e começa a frequentar sua casa, tendo acesso a uma vida de privilégios e estabilidade que nunca teve. Enquanto isso, Izzy, a incompreendida caçula de Elena, se encanta pelo exótico estilo de vida de Mia: livre das amarras e convenções fúteis da sociedade, devotada à sua arte desafiadora e provocante.

A série extrapola nas questões raciais e de classes, mas os temas vão muito além disso. No segundo capítulo conhecemos Bebe Chow, uma jovem e solitária imigrante chinesa que está nos Estados Unidos ilegalmente. Mia acaba conseguindo um emprego de meio período como garçonete no mesmo restaurante que Bebe, e o laço entre as duas se fortalece quando esta revela um segredo sombrio sobre seu passado

A partir daí a história se desenrola para novos horizontes, com reviravoltas surpreendentes, trazendo novos personagens fortes e complexos em suas escolhas e histórias de vida. Nesse contexto, a maternidade é abordada sob diversos pontos de vista, trazendo indagações multifacetadas, duras e polêmicas como: há espaço no mundo para perdoar uma mãe desesperada que toma decisões desesperadas que prejudicam seus filhos?

Uma mãe biológica é mais ‘mãe’ do que uma mãe adotiva? O aborto é aceitável ou perdoável? Em quais circunstâncias?

O amor de uma mãe pelos seus filhos transcende tudo?

Mas acima de tudo, a série traz reflexões importantes sobre a difícil tarefa de pagar pelo preço de nossas próprias escolhas, evidenciando batalhas duras que refletem os conflitos de milhões de mulheres mundo afora e transcendem qualquer questão racial ou de classe.

Afinal, nada é tão preto no branco quanto parece: somos todos humanos, demasiadamente humanos, nos nossos erros, sonhos e intenções.

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Destaque especial para Reese Whiterspoon, a nossa eterna Elle Woods de Legalmente Loira, que está impecável em seu papel de matriarca controladora e politicamente correta da família. A trilha sonora também merece uma atenção especial – fãs dos anos noventa irão se deleitar ao som de Alanis Morissette, Mariah Carey e The Cardigans.

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Fleabag, a série mais premiada do ano

Ela mora em Londres, tem trinta e poucos anos e acaba de perder uma pessoa especial. É solitária, muito espirituosa e, apesar de suas boas intenções, nem sempre age dentro dos conformes. Está a todo momento se metendo em encrencas astronômicas. Parece um enredo bem comum, né? Mas não se deixe enganar. Em Fleabag, seriado que levou quatro Emmys no ano passado e mais alguns prêmios neste ano, vamos conhecer essa protagonista muito espontânea, ousada e inteligente que, com sua mente inquieta e borbulhante, podia muito bem ser qualquer um de nós.

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Com franqueza inigualável, encontros inusitados e diálogos ao mesmo tempo simples e profundos, a série retrata a complexidade que é a existência humana. Acompanhamos de perto as relações conflituosas, os laços familiares intensos, a urgência da personagem em se sentir amada, tocada e bem quista. Tudo sempre com um toque de comédia e muito bom humor. É impossível não rir e se identificar com ela.

Adepta à auto sabotagem (quem sempre?), ela reage às situações cotidianas de maneira quase sempre autodestrutiva. Seja no trabalho, com a família, ou em seus encontros sociais e amorosos. Nós, espectadores, sofremos com ela enquanto testemunhamos, episódio após episódio, suas decisões que vão de péssimas a duvidosas de maneiras que nem precisaríamos de Freud para explicar.

O modo como ela transita pelos seus dias convertem-se em profundas reflexões sobre a vida, família, amor, solidão e sexualidade feminina – aliás, a série vai comprovar que apesar de estarmos em pleno século XXI, esta ainda é uma área muito mal explorada e repleta de tabus. Não há uma cena de nudez sequer durante as duas temporadas, porém a série toda é intensamente sexual. Aborda-se o tema com muita liberdade, mostrando todos os seus aspectos de forma visceral e sem rodeios.

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O que mais me marcou em Fleabag é a força e autenticidade da personagem em manter-se honesta consigo mesma neste mundo onde, numa angustiante busca eterna por aprovação e pertencimento, usamos máscaras o tempo todo. Escondemo-nos atrás de rixas políticas, falsos moralismos, relacionamentos dominadores, desculpas esfarrapadas, causas tidas como nobres… não por acreditarmos genuinamente, mas pela simples necessidade que temos de nos sentir parte de algo maior. Fleabag consegue ir direto ao ponto e nos mostrar isso com muita simplicidade, fazendo-nos questionar essas causas e valores às quais nos agarramos tão fervorosamente, e prova: nada é tão simples assim, e ninguém é exatamente o que parece.

Afinal, você é verdadeiro consigo mesmo? É difícil distinguir o que cada um é genuinamente daquilo que é anexado de fora. Como lidamos com a perda? Não me refiro apenas à mortes ou términos de relacionamento. Falo dessa sensação crônica e atual de estarmos sempre tentando nos reerguer, dia após dia, em tempos agitados onde tudo é muito intenso e acontece muito rápido, expectativas estão sempre altas, as quedas são sempre bruscas e as perdas, diárias – sejam grandes ou pequenas.

Num formato moderno e intimista, a série é bem curta: apenas duas temporadas, ambas com início, meio e fim, que vão direto ao ponto. Sem as típicas enrolações que fazem o espectador se sentir tapeado. Obrigada, Fleabag, por respeitar nossa inteligência e nosso tempo.

Estranha e Engraçada. *FLEABAG* | by Laize Ricarte | MediumFleabag é sobre errar e se aceitar nessa intrincada e estabanada jornada de vida. Ela veio para nos esfregar na cara algumas doloridas e necessárias verdades, para nos fazer questionar sobre como levamos nossos dias, como baseamos nossas escolhas, quais os nossos reais valores, mas, principalmente, para desmistificar essa ideia romantizada de clichês resolutórios de superação total. Nem tudo na vida tem solução, e tudo bem! Vida que segue. Difícil, né?

Mas não desanime: logo na abertura do primeiro episódio e durante toda a série, nossa protagonista deixa bem claro: esta é uma história de amor. Sugerindo que, talvez, como já diziam os poetas, o amor é o caminho e a solução para os males deste mundo. Será?

Lolita

(Publicado em Damas de Copas) 

Santander é criticado por mostra contendo apologia a pedofilia. Garota toca homem nu em mostra do MAM. Tudo isso faz a pedofilia existente no nosso país parecer algo menos demoníaco, quase artístico (se é que isso é possível…)

Em meio a tantas notícias horrendas envolvendo o tema, decidi mergulhar na obra que trouxe o conceito à arte (se é que isso é possível – parte 2….) e trago um livro imprescindível e BASTANTE polêmico: Lolita, de Vladimir Nabokov.

O livro narra o amor obsessivo do professor europeu de meia idade Humbert Humbert, por Dolores Haze, mais conhecida como Lolita, uma garota de apenas doze anos de idade. Nojento? Muito. A menina nos é apresentada do ponto de vista do homem de meia idade, desnorteado e cego de amor. Para nós leitores, Lolita é apenas uma menina magricela, mal-educada e rebelde de doze anos. Mas aos olhos do protagonista, ela é endeusada.

Apesar do sexo estar no cerne da história, Lolita não é, de maneira alguma, um livro erótico.

Na verdade, o impacto psicológico que o desejo que o Humbert tem por Lolita é mais importante e perturbador do que a consumação desse desejo. O erotismo da narrativa é apenas um elemento para embasar a ironia e sarcasmo que estão presentes em toda a obra – como se o próprio autor estivesse caçoando do narrador.

Em muitos momentos da narrativa confesso que quase parei a leitura, tamanho asco da temática. Mas as descrições e o jeito de narrar a história de Nabokov, que mescla o estilo magnífico de seus antecessores russos com o moderno mundo americano, torna-a uma obra única.

Um livro que levou anos para ser publicado, e foi renegado por muitos países até se tornar o que é hoje um dos mais importantes romances do século XX. Apesar das ressalvas, recomendo muito.

A Vida de Leonardo da Vinci

(publicado originalmente em Dama de Copas)
A biografia do Leonardo da Vinci, escrito pelo historiador Walter Isaacson, autor de outras biografias renomadas como de Albert Einstein e Steve Jobs) está incrível!  Se você gosta de história, arte e – por quê não, romance – não tem como não curtir esse livro.
Neste volume incrível, Walter nos apresenta a fascinante história do menino que nasceu bastardo numa cidadezinha italiana do século XV e, sem ter nenhum acesso a uma educação de nível, se tornou um dos maiores gênios da história da arte. Na verdade, ser bastardo foi crucial para que ele tivesse a liberdade de seguir seu talento e tornar-se o mestre que se tornou.
O livro conta sobre sua infância na cidade toscana de Vinci – por isso, o conhecemos por Leo da Vinci hoje.
Iniciou sua carreira como um simples aprendiz e desde os primeiros dias chamava a atenção pelo seu perfeccionismo, sua paciência, sua capacidade de observação e talento. Ele não só pintava, mas também tinha interesse e talento descomunal pela área das ciências, arquitetura e urbanismo.
Nutria uma paixão por estudar o vôo dos pássaros, e assim projetou máquinas voadoras, roupas de mergulho e sistemas de drenagem. Além disso, projetou também pontes e cidades inteiras, e criou técnicas de construção válidas até os dias de hoje.
A obra traz detalhes sobre sua personalidade e seus relacionamentos, e ficamos sabendo também que Leo era seletivo com o tipo de trabalho que aceitaria fazer. Priorizava amigos ou pessoas próximas, e não gostava de receber ordens em demasia. Conseguia retratar detalhes da anatomia humana de forma única.
A última ceia, uma de suas obras mais importantes, que retrata os apóstolos na última reunião antes de Jesus ser crucificado – e está hoje disponível no Louvre, em Paris – é um exemplo de como ele misturava gema de ovo, óleos e cera de abelha para para conseguir chegar na técnica que vislumbrava para suas telas. Ele era incansável até conseguir atingir o nível de perfeição que queria.
O autor explica de forma quase poética como analisar um quadro, prestando atenção em detalhes como o estilo da pincelada ou na paleta de cores. Ele faz um apanhado riquíssimo sobre sua obra, traz muitas imagens e escreve de maneira leve, mas com MUITA informação e riqueza de detalhes sobre seus quadros e feitos. Tudo baseado nos cadernos que o próprio Leonardo deixou – e em outras biografias sobre ele.
Monalisa foi a pintura a qual mais se dedicou, no fim de sua vida. Ela foi encontrada ao seu lado, no leito de sua morte, e é uma das obras de arte mais célebres do planeta.
A vontade que fica é a de viajar para conhecer todas as suas obras de perto =)

Pensar demais faz mal à saúde

(publicado originalmente em superela.com.br)

Essa semana eu estava tranquilamente nos meus afazeres quando recebi de meu marido um artigo muito interessante que comprovava cientificamente o seguinte fato: pessoas que pensam mais, morrem mais cedo. Oras, então eu me pergunto: será que todos nós aqui morreremos mais cedo? Quem lê, em geral, pensa. Então se você está aí no seu celular ou computador lendo isso, e eu aqui com meu bloquinho escrevendo, é porque pensamos. E agora José?

Pensar é ótimo, temos de reconhecer! Somos, em tese, os únicos animais da fauna terrestre que possui tantos neurônios e são capazes de formar raciocínios lógicos. Foi através do pensar que o homem conquistou tantos avanços tecnológicos e medicinais. O telefone, o antibiótico, o banheiro… não são coisas incríveis? Sem as quais quase não conseguimos viver? Invenções que só foram possíveis porque alguém foi capaz de pensar sobre elas. Formular ideias, colocá-las em prática. Então sim, pensar, quando se está construindo algo e focando em coisas úteis, voltadas para um bem maior, é uma dádiva.

Mas… às vezes, pensar não nos leva à lugar algum, você já pensou nisso? Às vezes damos voltas e voltas e criamos esquemas lógicos na cabeça para chegarmos a conclusões sem as quais viveríamos muito melhor. Entramos em paranoias desnecessárias, procuramos “sarna para nos coçar”, como diria o ditado.

É preciso filtrar o que é bom e útil, do que é ruim e destrutivo. Mas nosso filtro nem sempre funciona, e às vezes a gente acaba entrando em espirais de pensamentos negativos, que de nada nos serve, apenas para desgastar nossas mentes e nos deixar chateados. Pensar demais sobre temas obscuros e se jogar com os dois pés neles também nos leva a questionar sobre nossa existência, o que nunca é bom.

Saber filtrar é uma dádiva, tem gente que já vem com isso de fábrica. Mas acredito que é uma habilidade que possa ser trabalhada. Ponderar: este pensamento me faz bem, este não faz. Aprender a sossegar o cérebro é uma arte. Ter consciência de que não devemos ir por este ou aquele pensamento, entrar nessa ou naquela paranoia, e saber focar onde é mais saudável, produtivo e feliz para a gente. É importante aprender a desligar o cérebro, você sabe desligar o seu? Eu sou péssima nisso.

Às vezes estou deitada na cama, naquele momento tão esperado do dia, pronta para dormir, já meio em alfa, transitando entre o sono e o estado de vigília – ou, com os olhos “pescando”, como diz a expressão popular – quando sou acometida por um pensamento novo. Poxa meu amigo, isso são horas? De onde vens? Não percebe que estou aqui relaxando depois de um longo dia de batalhas, pronta para me entregar ao sono dos justos? Recarregar a bateria para amanhã estar nova em folha e, quem sabe, pensar algo novo e viver novas aventuras incríveis?

Mas não. O pensamento não me dá trégua. Levanto da cama (para não acordar o marido que me enviou o artigo), tento tomar um chá, observar a calmaria da noite pela janela, espairecer a mente, e, resultado, cá estou escrevendo isso. Os pensamentos vêm aos montes!

O “Penso, logo existo” de Descartes foi praticamente substituído por “Existo (e sinto), logo penso” no revolucionário livro do neurologista Antonio Damasio – super leitura, recomendo fortemente!! Considerado o pai da filosofia racionalista, Descartes era defensor ferrenho pensamento racional acima de tudo. Mas hoje vemos que há esta controvérsia sobre sua lógica… Porque exercitar o cérebro e não exercitar o nosso espírito (essência, alma, coração, como lhe convir melhor) de nada serve. Precisamos acima de tudo sentir que estamos vivos. Sei que você sabe que está vivo, mas você se sente vivo? Se não ouvimos e damos vazão aos nossos sentimentos, adoecemos.

Sempre tive em mente que queria que meus filhos crescessem para se tornarem adultos ponderados e pensantes, então sempre estimulei a leitura e o questionamento na minha casa. Mas agora penso que talvez seja melhor que começar a ensiná-los a sentir em vez de pensar. Um é com o cérebro, o outro com o coração. Acredito que, se aprenderem a sentir, podem se tornar pessoas mais humanas, com mais empatia e sensibilidade. E talvez seja disso que o mundo realmente precisa. Saber sentir e reconhecer os sentimentos também é uma arte. Uma habilidade a ser aprendida. É a tal da inteligência emocional.

Pensar é sinônimo de viver com mais clareza. É maravilhoso, sim. Mas talvez seja bom também focarmos em uma vida com mais alma, mais beleza.

Pense nisso.

Ou não.